Ah! O amor verdadeiro! Este tesouro tão difícil de
ser encontrado! E igualmente impossível de ser rejeitado, mesmo quando não o
desejamos.
Tive
a infelicidade de encontrar um homem chamado Terry. Guerreiro de boa índole,
heróico, forte, prestativo e corajoso. Conheci-o após salvar sua miserável vida
há alguns anos atrás. Encontrei-o caído em uma dolina. Estava lutando contra
bandidos e acabou indo para a água com o último deles. A armadura pesada
dificultava seus movimentos e por isso estava prestes a se afogar. Salvei-o. Ele
se mostrou eternamente grato a mim e jurou que iria dedicar sua vida a proteger
a minha. Algo que ele cumpriu, ficando ao meu lado o tempo todo, protegendo-me
de inimigos e sempre oferecendo seu ombro amigo para qualquer dificuldade que
eu tivesse.
Porém,
para minha felicidade, eu não estava sozinha no mundo com este sustentáculo da
perfeição. Também viajava conosco Malgabar, o mago.
O arcano era um monstro feito da
solidificação dos instintos mais baixos da humanidade, sobretudo o rancor.
Andava sempre ao meu lado não por causa do companheirismo, mas porque, segundo
ele, fui responsável por ele perder uma aposta gigantesca. Até hoje não sei do
que ele estava falando, mas esta foi a desculpa para ele sempre vir comigo para
todo o canto. Exigia metade dos dividendos que eu ganhava em minha vida de
mercenária à fim de me fazer quitar a dívida. Mesmo assim ele costumava me
ajudar nas minhas missões, o que fazia com que ele acabasse merecendo o
dinheiro. Eu amava Malgabar, ele era o melhor motivo que eu tinha para reclamar
da minha vida.
Éramos um trio curioso, vivíamos
às turras, mas nos amávamos. Eu amava odiar Terry e seu senso exagerado de
cavalheirismo. E odiava amar Malgabar, sempre vindo com seus gracejos
libidinosos. E sei que, no fundo, Terry e Malgabar se amavam, pois um era o
motivo do outro para sempre terem a minha atenção.
E
foi com este espírito de equipe que chegamos até o norte do reino de Kernutch.
Estávamos nos dirigindo para uma estalagem
que, segundo informantes, era muito boa. E também barata.
Seguimos
pela estrada principal. Em meia hora de caminhada já era possível ver a estalagem.
Fomos muito bem recebidos por uma jovem de cabelos dourados que o nosso
detestável mago imediatamente começou a cortejar, sob os protestos do
guerreiro.
Eu
não disse nada. Nunca precisava dizer nada. Meus dois companheiros tomaram toda
a palavra da noite e começaram a fazer os pedidos e a discutir entre si. Terry,
como todo bom e educado kelta, sempre exigia do mago etiqueta e Malgabar
sugeriu, segundo as regras da cortesia dos eurebos, que fosse tomar no rabo.
O
jantar terminou, como sempre, caloroso. Antes de irmos dormir o dono da estalagem
nos fez perguntas. A julgar pelo nosso equipamento identificou-nos como
mercenários. Disse que tinha uma missão para nós: procurar pelo seu filho que
estava desaparecido.
Há vinte anos.
Não
eram vinte horas, nem vinte dias, ou vinte meses... vinte anos!
Nosso
mago riu na cara dele e o guerreiro foi obrigado a tomar as dores do homem e
fazer Malgabar sentir dores da nuca com um violento pesco-tapa. Aceitamos a
missão, pois o homem prometeu pagar uma parte adiantada. Claro, nem pensávamos
que íamos receber a outra parte. Quer dizer, o garoto havia desaparecido há
vinte anos. Que tipo de vestígio poderíamos ainda encontrar?
Perguntamos qual foi o último
paradeiro do menino. Com a voz rouca, ele respondeu:
Na Floresta Louca.
Ao norte do reino ficava o
afamado local. Um lugar evitado por todos, pois muitos que entraram lá não mais
voltaram. E quem retornou contava histórias assustadoras de gritos permeando
entre as árvores, grama que puxava os pés das pessoas, folhas que atacavam os
visitantes e galhos querendo agarrar e sufocar quem passava. Um comportamento
enlouquecido da vegetação que acabou batizando aquela mata como tal.
Ninguém
sabia porque a floresta tinha enlouquecido.
Ela existia desde os tempos da
Grande Guerra e muitos diziam que o motivo dela ter enlouquecido foram os
incessantes embates que se deram naquele lugar; sobretudo a terrível Batalha do
Único Passo. A enorme quantidade de morte e sofrimento que o local absorveu
traumatizou o ambiente.
Druidas, xamãs e sacerdotes dos
deuses da natureza não conseguiam se comunicar com qualquer tipo de espírito
que poderia estar obcecando as árvores. Seus milagres não funcionavam e nenhuma
forma de contato com entidades do local parecia funcionar. Por fim, julgaram
que a floresta estava tomada por demônios e deveria simplesmente ser evitada.
Meu
nauseantemente gentil guerreiro confortou o velho homem e disse que iríamos
pelo menos tentar encontrar algum vestígio da criança perdida (se ainda
estivesse viva seria um adulto). O doce e canalha mago exigiu uma porcentagem
maior do pagamento adiantado.
E
assim seguimos para a floresta. Conversando futilidades.
Malgabar
destilava para nós, como sempre fazia, seus planos de opressão aos fracos. Ele
era o tipo de ditador que poderia conquistar o mundo e ter um séquito de
escravos se não achasse que isso daria trabalho demais. Terry rebatia aqueles argumentos
dizendo que todas as pessoas mereciam a liberdade e que, caso o mago um dia
realmente se tornasse um opressor, o guerreiro seria o primeiro a tentar
destruir seu regime de terror.
Era
tão adorável ouvir as juras de morte que um recitava para o outro! Eram
realmente bons amigos.
A
medida que nos aproximávamos do nosso destino começamos a ver, ladeando a
estrada de terra, placas avisando para tomarmos cuidado. Com o tempo os
letreiros passaram de conselhos para ordens explícitas. O “Tome Cuidado, Floresta
Louca!” tornou-se “Fuja! Depressa! Floresta Louca!” no intervalo de cinco
quilômetros. Por fim, uma pequena fileira de crânios no chão nos indicava a
linha limite para atravessar e chegar até o local.
Estávamos
diante da mata maldita.
Não
notamos diferença alguma nas árvores ou na grama. Parecia apenas uma floresta
como qualquer outra. Pulamos a fileira de caveiras e entramos no famigerado território.
Meus dois companheiros sempre atentos a qualquer farfalhar suspeito de folhas
ou movimento estranho de galhos. Ficamos com os ouvidos em alerta e aí é que
percebemos a primeira coisa estranha naquela floresta: não havia som algum. Nem
de pássaros nem de vento.
Fomos
adentrando aos poucos, sem jamais perder de vista a borda. Terry teve a boa
ideia de trazer uma corda longa e amarramos uns nos outros. Marcamos as
árvores, caminhamos devagar, observamos tudo e, tirando o silêncio, nada mais
parecia estranho naquele matagal.
Começou
a escurecer e tememos que, aí sim, a loucura da floresta acordaria. Mas foi uma
decepção. Fizemos uma fogueira, comemos nossa ração seca (nenhum animal para
caçar e assar...), encontramos um pequeno riacho e bebemos da água (com
Malgabar fazendo uma supervisão prévia, com seus conhecimentos de alquimista,
para ver se o líquido não poderia conter alguma substancia estranha). Dormimos
no local. A única apreensão que me restava era que a estranha floresta, de
alguma forma, apagasse as marcas que fizemos nas árvores e jamais pudéssemos
achar a saída. Mas saímos.
Nada
mais aconteceu.
Voltamos
à estalagem informando que não encontramos vestígio algum de pessoas na
floresta. O homem começou a chorar e implorou para que voltássemos, que
tentássemos procurar mais fundo. Até aproveitou para contar a triste história
da sua vida: um infeliz que nunca mais sorriu desde que seu pequerrucho
desapareceu, dos pesadelos que ele tinha constantemente do seu garoto gritando
por ajuda, dos seus olhos que o enganavam a todo instante toda a vez que ele
olhava para uma árvore e julgava que tinha visto alguém perto dela...
Como
se eu me importasse.
Terry,
comovido, convenceu-nos a dar mais uma olhada no lugar antes de ir embora (o
ouro extra que o velho nos pagou também ajudou). Então decidimos que iriamos
investigar o lugar mais uma vez, um pouco mais à fundo no dia seguinte. Naquela
noite, tivemos hospedagem grátis na estalagem.
Eu
jamais poderia imaginar que aquela noite fosse ainda mais assustadora do que a
que passamos na floresta.
Malgabar
havia saído para gastar a sua parte do dinheiro com bebidas e mulheres. Eu e
Terry ficamos na estalagem, planejando nosso avanço no dia seguinte. O
guerreiro decidiu que seria bom ir até a vila mais próxima e comprar uma corda
maior, por garantia. Não quis acompanha-lo, estava precisando me ver livre dele
e da sua perfeição por algumas horas.
E
foram muitas horas.
Escureceu.
Terry e Malgabar não voltavam.
A
maioria das estalagens nunca fecha as portas, pois era comum visitantes
aparecerem durante a noite, mas fiquei surpresa ao ver a atendente loira se
apressando em baixar as janelas. Quando tinha acabado de trancar a porta e
colocado uma cadeira apoiada no trinco o estalajadeiro ordenou que ela parasse
de ser tola. Os dois discutiram e, por fim, a moça foi embora aos prantos
dizendo que jamais voltaria. Passou por mim com os olhos vermelhos dizendo que
não era seguro ficar naquele local. “Estou com um mau pressentimento!”
Que
coincidência. Eu também estava.
As
duas luas foram para o alto-céu. Terry e Malgabar ainda não tinham voltado.
Ah!
Nunca antes senti tanta falta daqueles dois demônios humanizados que eu chamava
(mentindo) de amigos. Eu olhava pela janela do quarto e imaginava se devia ir
atrás deles ou esperar. A apreensão da garota loira ficou na minha cabeça e
decidi não mover um músculo. Afinal, pelo menos na estalagem, eu não estava
sozinha.
Era
o que eu pensava.
Sempre
durmo tarde e, naquela noite, subi até o quarto do estalajadeiro para conversar
e passar o tempo. Mas ao abrir a porta dei com o quarto vazio. A janela estava
aberta e pequenas folhas voavam sobre a cama ainda arrumada. Olhei para fora,
dando de cara com um pequeno arvoredo logo à frente. Não era a Floresta Louca,
esta estava a alguns quilômetros de distância, mas por algum motivo achei
aquele bosque logo à frente muito semelhante. Sobretudo pelo silêncio.
Tudo
estava silencioso demais, como na floresta. Apressei-me em fechar a janela,
mas, antes, lancei um último olhar em direção às árvores.
Tive a impressão de ter visto
alguém em meio aos troncos...
... alguém muito alto e magro...
Fechei
a janela com um arrepio frio percorrendo minha espinha. Corri para cada um dos
quartos (todos vazios) e fui fechando as janelas, assim como também tranquei a
porta de entrada e, tal qual a garota loira, resolvi barra-la usando uma
cadeira. Fiquei com minha espada à mão, com as costas encostadas numa parede e
todas as velas e lampiões acesos ao meu redor.
Tive
a impressão de ter ouvido alguém bater na porta.
Não,
alguém bater na janela.
Lancei
um olhar cuidadoso para aquela que eu julgava ter sido a janela eleita pelo
provável invasor. Caminhei com todo o cuidado do mundo e abri uma fresta com a
ponta da espada. Não havia ninguém. Era apenas um galho longo e seco de uma
árvore próxima da janela que ficava batendo de tempos em tempos. Enquanto
cortava o galho para ele não fazer mais barulho e fechava a janela de novo,
lembrei:
Não
havia árvore nenhum tão próximo assim da estalagem até ontem.
Meu
pensamento foi interrompido com uma batida forte na porta. Meu coração foi para
a garganta, quando escutei: “Abra a porta! Abra!”.
Era a voz de Malgabar.
“Abra!”
insistiu, batendo com mais força. “Ou coloco esta merda abaixo com minha magia!”
Eu
não queria ficar numa estalagem que estivesse com a porta arrebentada, por isto
abri-a. Meu querido mago estava branco de pavor. Perguntei o que ele tinha e me
respondeu:
“Tem
alguém me seguindo! Um homem muito alto e magro... parecia uma árvore! Ele...
ele não gostou de termos invadido o território dele! Oh, deuses...
precisamos... fugir! Agora!”
Não
dei nenhuma resposta. Apenas agi. Apesar de sentir uma certa culpa (e um certo
alívio) em deixar Terry para trás, eu e Malgabar tínhamos que pensar em nossa
sobrevivência. Eu tinha medo de sair da estalagem, mas percebi que seria mais
perigoso se permanecesse lá. Um local fechado, escuro, sendo lentamente tragado
pelas árvores... árvores que moviam seus galhos longos... galhos longos feitos
mãos de um homem enorme...
Um
pensamento horrível.
Um
sonho horrível.
Acordei.
Era
de manhã e vi que eu ainda estava na Floresta Louca.
Reconheci as marcas que tínhamos
feitos nas árvores na noite anterior para marcarmos o caminho. Na minha cintura
ainda restava a ponta da corda que me amarrava aos meus companheiros.
Onde estavam?
A
floresta estava silenciosa como a respiração de um morto.
Corri
aos tropeções o mais rápido que meus pés descalços conseguiram me levar. Não
desperdicei segundos preciosos pegando minha espada ou qualquer outro
acessório. Deixei tudo lá.
Inclusive
meus amigos.
Peguei
uma carona na estrada. O carroceiro foi muito gentil em me fazer um favor sem
querer minha bunda em troca. Ficou surpreso quando lhe disse que tinha ido até
a Floresta Louca e passado a noite lá. Chamou-me de louca e imprudente. Porém
ficou mais surpreso quando contei o motivo de eu ter ido lá.
Disse-me
que não havia estalagem alguma por ali num raio de dezenas de quilômetros. A
única que havia era uma construção que havia sido abandonada há tempos, tomada
pela vegetação e o matagal há mais de vinte anos quando seus ocupantes
desapareceram.
Na
Floresta Louca.
Eu
tive que ver para crer.
Era
exatamente a mesma estalagem que eu tinha entrado no dia anterior, bonita,
nova, com a atendente loira e o velho estalajadeiro tristonho. E agora estava
tomada pelo mato e pelas árvores há tempos.
O
carroceiro desistiu de me dar carona e chicoteou seu cavalo, fugindo depressa
de mim. Mais depressa do que quando eu saí da maldita floresta, deixando tudo
para trás.
Sinto
falta do meu adorável e irritante Terry. Sinto falta do meu desprezível e doce
Malgabar. Às vezes, quando caminho perto de bosques e arvoredos, eu olho em
direção às árvores e penso ter visto um vislumbre deles. Mas não... nunca há
ninguém ali...
Apenas
este estranho homem alto e magro que não para de me seguir em meus pesadelos.
Jussara "Gonzo" Nunes
Blog: http://punhadodecontos.wordpress.com/
Jussara "Gonzo" Nunes
Blog: http://punhadodecontos.wordpress.com/
5 Blá blá blá!:
mEDOOOOOOOOOOOOOOOOOOO
Ola! Tudo Bem! Me nome é Ulisses Sebrian
e visitei o seu blog e gostei muito. Entrei como
Seguidor se não se importa. Parabéns pelo seu blog
e boa sorte.
Gosto de literatura.
Sou autor de 9 romances disponíveis em meus blogs.
Ah!Também tenho 4 blogs e gostaria que o visitasse.
E se possível entrar como seguidor. Obrigado
Os meus blogs são:
http://truquedevida.blogspot.com.br/
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Obrigado pela visita e pelo convite. Espero que goste do nosso blog.
Show de bolice!
Meio Lovecreftiano, um tanto ravenloftiano e Semi-realista.
Semi-realista por causa do "querer minha bunda em troca".
Legal também a questão das diferenças entre personagens de diferentes alinhamentos: Leal-Bom, Caótico-Neutro e Neutro-Mal.
Verdade hauahuahauh
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